O quanto você ouve sua intuição? Você sabe como acessá-la? Consegue saber quando é sua intuição dizendo algo importante e quando é seu ego querendo se sobrepor e manter você na mesma zona de conforto de sempre, ou pior, colocando-o em uma baita enrascada? O conto russo Vasalisa fala sobre despertar da intuição na psique feminina.
O conto russo Vasalisa – A sabida – de autoria de Alexander Afanasyev e tão bem explorado por Clarissa Pinkola Estés no livro “Mulheres que Correm com os Lobos” – fala sobre nossa intuição e como é importante estarmos atentos à nossa voz interior. Para ler o conto acesse o link e boa leitura.
Como em outros contos, este se inicia com a pequena Vasalisa tendo que lidar com a morte de sua mãe. A menina fica órfã de mãe e passa a viver com a madrasta e suas três filhas, que passam a persegui-la e a infringir todo tipo de tortura emocional e escravidão. Neste ponto, podemos lembrar de Cinderela, Branca de Neve e Rapunzel, contos onde a mãe verdadeira da personagem principal some e uma bruxa assume seu lugar.
Em Vasalisa, antes de morrer a mãe entrega para sua filha uma boneca – que diga-se de passagem é igual à filha (!). Esta boneca fala com Vasalisa, dando conselhos e ajudando a superar tarefas difíceis. A boneca pode ser interpretada como o Self de Vasalisa – a sabedoria intuitiva.
Clarissa Pinkola Estés explica que para compreendermos esse conto, precisamos considerar que todos os personagens representam a psique de uma única mulher. Sendo assim, o conto fala de uma psique que passa por um processo de iniciação representado pelo cumprimento de várias tarefas. Com a realização dessas tarefas, a intuição é ativada na psique de Vasalisa.
São nove as tarefas que Vasalisa terá que cumprir para passar pelo processo de iniciação e acessar sua intuição. Vejamos quais são essas tarefas:
1ª tarefa: Permitir a morte da mãe-boa-demais.
Neste estágio, as etapas psíquicas são as seguintes:
• Aceitar o fato de que a mãe psíquica protetora, sempre vigilante, não é adequada para ser um guia para a futura vida instintiva da pessoa (a mãe-boa-demais morre);
• Assumir a realidade de estar só, de desenvolver a própria conscientização quanto ao perigo, às intrigas, à política;
• Tornar-se alerta sozinha, para seu próprio proveito;
• Deixar morrer o que deve morrer.
Nesta etapa, o conto mostra que a mulher deve sair dos cuidados da “mãe boa demais” e ficar agora sob os cuidados da intuição. No entanto, segundo a autora, esse processo iniciático pode ser rompido por vários motivos, como excesso de problemas psicológicos no início da vida ou por uma mãe (real) superprotetora.
2ª tarefa: Denunciar a natureza sombria
Nesta fase, as tarefas são:
• Descobrir que ser boazinha, ser gentil e simpática não fará a vida florir;
• Vivenciar diretamente a própria natureza sombria, especialmente os aspectos exploradores, ciumentos e rejeitadores do Self (a madrasta e suas filhas).
• Incorporar esses aspectos;
• Criar o melhor relacionamento possível com as piores partes de si mesma;
• Deixar acumular a tensão entre quem se aprendeu a ser e quem se é realmente.
• Trabalhar, afinal, no sentido de deixar morrer o velho Self para que nasça o novo Self intuitivo.
Neste ponto, o conto nos faz olhar para aspectos sombrios de nós mesmos e à nossa volta – afinal, reproduzimos no externo o que vai no nosso interior. A integração desses conteúdos nos ajuda no processo de iniciação à natureza intuitiva da Mulher Selvagem.
3ª tarefa: Navegar nas trevas
Essa é a parte que Vasalisa anda nas trevas vai até a casa de Baba Yaga. Ela recebe as orientações da boneca. Nesse estágio, são esses as tarefas que a autora evidencia:
• Consentir em se aventurar a penetrar no local da iniciação profunda (entrada na floresta) e começar a experimentar o sentimento numinoso e aparentemente perigoso de estar imersa no poder intuitivo;
• Aprender a desenvolver a sensibilidade ao inconsciente misterioso no que se relaciona ao direcionamento e confiar exclusivamente nos próprios sentidos interiores;
• Aprender o caminho de volta para a casa da Mãe Selvagem obedecendo às instruções da boneca;
• Aprender a nutrir a intuição (alimentar a boneca);
• Deixar que a mocinha frágil e ingênua morra ainda mais;
• Transferir o poder para a boneca, ou seja, para a intuição.
Neste ponto, as tarefas falam por si só. É a interação da mulher com sua intuição e a importância de que esta relação seja nutrida e fortalecida. Caso contrário, morrerá.
4ª tarefa: Encarar a megera selvagem
Nesse ponto, Vasalisa encontra-se com a Baba Yaga. Nesse momento, as tarefas a serem realizadas são:
• Ser capaz de suportar o rosto apavorante da Deusa Selvagem sem hesitar (encontrar com Baba Yaga);
• Familiarizar-se com o mistério, a estranheza, a “alteridade” do selvagem (residir na casa de Baba Yaga por algum tempo);
• Adotar nas nossas vidas alguns dos seus valores, tornando-nos, portanto, também um pouco estranhas (comer seus alimentos);
• Aprender a encarar um poder enorme nos outros e, consequentemente, nosso próprio poder.
• Permitir que a criança frágil e boazinha em excesso vá definhando ainda mais.
Segundo Clarissa Pinkola Estés, muitas mulheres estão se recuperando de seus complexos de “ser boazinha demais”, nos quais, independente de como se sentissem, independente do que as acossasse, elas reagiam de uma forma tão doce a ponte de ser praticamente humilhante. Embora elas pudessem sorrir gentis durante o dia, à noite rangiam os dentes como bestas – era a Yaga na sua psique lutando para se expressar.
5ª tarefa – Servir o não racional
Vasalisa pede fogo, mas Baba Yaga só vai dar o fogo se a menina cumprir alguns serviços domésticos em troca. As tarefas psíquicas desse período do aprendizado são:
• Ficar com a Deusa Megera;
• Aclimatar-se às imensas forças selvagens da psique feminina;
• Reconhecer seu poder e os poderes das purificações interiores;
• Limpar, escolher, alimentar, criar energia e ideias – lavar as roupas da Yaga, cozinhar, limpar sua casa e separar os elementos.
No desenvolvimento das mulheres, todas essas ações ligadas às prendas domésticas – cozinhar, lavar e varrer – significam algo além do rotineiro. Todas essas imagens sugerem modos de se pensar na vida da alma, de avaliá-la, alimentá-la, nutri-la, corrigi-la, purificá-la e organizá-la. E, Vasalisa recebe a iniciação em todos esses aspectos. E sua intuição a ajuda a realizar tais tarefas.
Por meio destas tarefas, Baba Yaga mostra que os ciclos das mulheres são os seguintes:
• Limpar nosso pensamento, renovando nossos valores com regularidade;
• Eliminar da nossa psique as insignificâncias, varrê-las;
• Purificar nossos estados de pensamento e sentimento com regularidade;
• Acender a fogueira criativa e cozinhar ideias num ritmo sistemático;
• Cozinhar muito para alimentar o relacionamento entre nós mesmas e a natureza selvagem.
6ª tarefa: Separar isso daquilo
As tarefas psíquicas da mulher são as seguintes:
• Aprender a discriminar meticulosamente, a separar as coisas umas das outras com o melhor discernimento;
• Aprender a fazer distinções sutis – ao escolher o milho mofado do milho são e ao selecionar as sementes de papoula de um monte de estrume;
• Observar o poder do inconsciente e como ele funciona mesmo quando o ego não está familiarizado – os pares de mãos que aparecem no ar;
• Aprender mais sobre a vida (o milho) e a morte (as sementes de papoula).
Para a autora, a separação relatada nessa história é do tipo que surge quando nos deparamos com um dilema ou com uma pergunta, mas sem que nos ocorram muitas ideias que ajudem a resolver a questão. Se a deixamos em paz, no entanto, e voltamos mais tarde a ela, pode ser que uma boa solução esteja à nossa espera ali onde antes não havia nada. Ou “vá dormir, veja com o que vai sonhar”, talvez a velha de dois milhões de anos chegue das trevas para visitá-la.
7ª tarefa – Perguntar sobre os mistérios
Nesse momento, a menina consegue realizar todas as tarefas, aí ela pergunta à Baba Yaga sobre os mistérios: o que significa o cavalo branco, vermelho e o branco.
As tarefas deste estágio são as seguintes:
• Perguntar e tentar aprender mais a respeito da natureza da vida-morte-vida e de seu funcionamento – Vasalisa pergunta sobre os cavaleiros;
• Aprender a verdade acerca da capacidade de compreender todos os elementos da natureza selvagem. É neste ponto que Vasalisa aprende que “saber demais pode envelhecer a pessoa antes do tempo”.
8ª tarefa: De pé nas quatro patas
Baba Yaga sente repulsa pelo fato de Vasalisa ter recebido a benção da mãe – fica sabendo da existência da boneca – e manda a menina embora com a caveira e o fogo dentro dela.
As tarefas desta parte da história são:
• Assumir um poder imenso de ver e afetar os outros – o recebimento da caveira com o fogo;
• Ver as situações da própria vida com essa nova luz – descobrir o caminho de volta à família da madrasta.
Podemos interpretar a caveira com o fogo que a Baba Yaga dá a Vasalisa como um ícone da velha, uma ancestral sábia que a garota deverá carregar pelo resto da vida. Ela está iniciando Vasalisa no legado matrilinear do conhecimento, que permanece íntegro e vicejante na psique.
Após uma pequena análise das tarefas dadas a Vasalisa por Baba Yaga, podemos analisar o conto como um todo.
O primeiro ponto que devemos nos atentar é a morte da mãe excessivamente boa. Podemos entender a mãe boa demais como um aspecto de nossa psique que não quer nosso amadurecimento por receio de enfrentar mudanças e, também, como aquelas situações cômodas e confortáveis que não nos permitem crescer. Por medo de sair da zona de conforto, não vamos atrás de nossos sonhos.
A “mãe boazinha demais” não nos permite ter sonhos e ir atrás deles, pois ela já nos supre em tudo… e mesmo que a pessoa sonhe ir além, correr atrás das metas (sejam quais forem) envolve riscos, sempre. E essa “mãe”/situação nunca nos permitiria arriscar tanto. Veja em sua vida o que ou quais situações cumprem essa função na sua vida de inibir o amadurecimento. A morte da mãe boazinha demais mostra que estamos todos sozinhos e por nossa conta.
O segundo aspecto do conto que devemos refletir é a entrada na floresta. A floresta representa nosso inconsciente. E, não é nada fácil acessar nossos conteúdos inconscientes. Afinal, estamos sozinhos e num lugar assustador, cheio de encruzilhadas. E, no conto, Vasalisa está indo ao encontro de sua própria sombra. A sombra é um lado da nossa psique que pode ter características boas ou “ruins”. Em linha gerais, a sombra é como um negativo daquilo que percebemos em nós.
Baba Yaga é a sombra de Vasalisa: velha, experiente, cruel até certo ponto – totalmente oposta ao jeito doce e meigo da menina. Integrar nosso Eu e a nossa sombra não é tarefa fácil. Mas, temos que encarar esse nosso aspecto. Veja como pareciam impossíveis as tarefas que Vasalisa cumpriu na casa da Baba Yaga. Ela foi ajudada pela boneca, que também era um lado dela: a intuição e a sabedoria interior.
Você ouve sua intuição? Coloca em prática o que ela lhe inspira? E, não menos importante: alimenta sua intuição com frequência? E, a sua sombra? Você tem consciência de seus aspectos sombrios? Consegue acolhê-los?
O terceiro aspecto do conto é a volta da menina para casa com o fogo dentro da caveira. Baba Yaga concedeu à Vasalisa o fogo – a centelha da vida. E é a chama do conhecimento e da intuição que guiará a menina em sua nova vida. Após a iniciação com Baba Yaga, Vasalisa tem sua vida transformada e consegue anular as maldades da madrasta e das irmãs. Você consegue perceber a intuição lhe mostrando os melhores caminhos a serem seguidos? Você se deixa guiar pela intuição?
Perceba que todo o conto fala da iniciação de Vasalisa nos poderes da intuição. E isso só é possível quando a menina acessa seus conteúdos mais sombrios. O quanto você está disposto a encontrar sua sombra para acessar os grandes poderes da intuição?